10 de abril de 2013

Engano





Engano
Philip Roth
D. Quixote
16,90€
****
Enquanto somos pequenos há sempre aquele rapaz matulão, mais velho e mais esperto, que convence os outros a ir caçar gambozinos. Fica a assistir de camarote enquanto os outros procuram com esmero aquilo que nunca vão encontrar, mesmo que pelo caminho encontrem outras coisas mais interessantes. Com Engano, Philip Roth é esse rapaz, e todos os leitores se convertem em caçadores no vazio.
A caçada começa por ser frustrante. Só há diálogo, nem uma única narração, com saltos no tempo, saltos nas situações. Até se entrar no ritmo, a tentação é voltar muitas vezes atrás para tentar descobrir quem disse o quê. Só depois percebemos que isso não interessa. Percebemos que nem aquela situação de adultério evidente na história é o mais importante. É a caçada que nos move, a nós e a ele, Philip Roth, num engano com um sentido mais do que duplo.
Se é um Philip escritor que está ali a conversar com a sua amante, é isto uma autobiografia? É o escritor apaixonado pela personagem? É uma ficção que se assume como ficção só para esconder uma verdade ou não há verdade nenhuma? O livro lança as pistas. É também o livro que faz questão de expor os seus ingredientes ‘Rothianos’ para despistar: as questões judaicas, o mau trato das figuras femininas, a escrita seca e afiada. Mas o homem que nos põe a todos a caçar entidades inexistentes afinal está só a divertir-se com os limites da ficção, a manobrar na sombra um jogo inteligente e corajoso que deixa de fora todos os que desistirem antes de tempo. E chegar ao fim sem ter caçado o gambozino é o melhor troféu de caça que nos podia ser oferecido. 

(Texto publicado na Time Out Lisboa Nº283)

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